No dia seguinte, como a pequena havia ido dormir sem jantar
levantou bem cedo com muita fome, porém Richard já estava terminando de
preparar o café, a garota ainda esfregava os olhos ao sentar-se à mesa,
tentou dizer bom – dia, mas bocejou no momento e nada saiu muito sonolenta e
com a barriga roncando ela apenas acenou com a mão.
Embora trabalhasse durante a noite, os investigadores não
trabalhavam todas as noites, eles intercalavam suas escalas, trabalhavam um dia
sim e um dia não.
Richard pôs á mesa uma garrafa de café e uma caixa de leite,
em seguida pegou da pia um prato com três mistos-quentes, rapidamente a pequena
atacou um misto-quente, enquanto o destruía Richard perguntou:
- Posso saber por que a senhorita não jantou ontem?
A garota engoliu o misto-quente de uma vez, bebeu um copo de
leite pela metade e ficou encarando o terceiro misto aguardando seu pai lhe dar
a permissão de pegá-lo, e ele deu, a garota continuou a comer sem responder
nada ao seu pai, que era paciente, mas nem tanto.
Com muita velocidade Aline devorou dois mistos-quentes, e
terminou seu copo de leite, seu pai ainda estava na metade do dele, ele
segurava uma grande xícara de café na mão esquerda e a mão direita sustentava o
queixo, ele ainda aguardava uma resposta. Como não era muito boa em mentir,
ainda mais para seu pai, Aline foi direta:
- Eu estava espionando o vizinho, ele é um cara muito
estranho, recebendo mudanças àquela hora da noite? E o que era aquilo? Um dos
baús caiu e fez um grande barulho de tigelas de metal ou alumínio batendo, ele
é um cara misterioso.
Richard estava com uma expressão séria, ele virou seu café
de uma única vez:
- Não gosto daquele rapaz, ele é como você disse,
misterioso, e pessoas misteriosas escondem algo grave, poderia pesquisar sobre
ele hoje a noite nos arquivos se tivesse o nome dele, ele tem uma expressão
muito tranquila, não gosto disso.
O investigador estava colocando mais uma xícara de café
quando Aline falou:
- O nome dele é Salazar, mas não sei o sobrenome e quando
foi que o senhor o viu?
Richard olhou para Aline e esqueceu que estava colocando
café, que transbordou da xícara, e escorreu queimando seu dedo, ele levantou a
garrafa e colocou a xícara sobre a mesa.
Ele olhava fixamente para Aline, ele não queria que ela já
tivesse tido contato com o rapaz:
- Desde quando você conhece aquele rapaz?
Aline tentava disfarçar que estava sem graça, pois sabia que
havia desobedecido a seu pai, ele olhava para o lado da escada e enrolava os
dedos em seu cabelo curto:
- O conheci ontem enquanto conversava com o senhor Don
Borges, mas não conversei muito com ele, ele é um cara estranho, parece que ele
sabe tudo o que se passa na minha cabeça.
- Mas não é preciso muito para saber o que se passa na sua
mente, sua cara transmite tudo que esta pensando, você é um livro de emoções
aberto – Disse Richard brincando, a garota ficou mais sem graça ainda, mas em
seguida a expressão dele mudou para séria – Mas não quero você conversando com
aquele rapaz, já te expliquei que não é bom conversar com muitas pessoas...
Antes que o investigador pudesse terminar o que estava
dizendo, a pequena se levantou de cabeça baixa e foi em direção para a escada,
enquanto subia as escadas murmurou algo:
- Eu já entendi, não devo socializar com muitas pessoas, nem
criar círculos de amizade, para que não ocorra o que aconteceu com os
residentes da casa 301.
Richard olhou a pequena subir a escada de cabeça baixa até
ela chegar ao segundo andar, ele pegou seu café que já estava frio, mas o
ingeriu ainda assim, segurou a xícara apenas pela alça e girava a xícara como
um brinquedo, começou e pensar em coisas do passado, de quando sua mulher ainda
era viva e disse com voz baixa:
- Será que ela também se sentia assim? Um pássaro dentro de
uma gaiola em meio á uma floresta?
Distraído o investigador esqueceu que estava girando a
xícara e acabou lançando-a longe, como era de porcelana a xícara se dividiu em
centenas de pedaços que se esparramaram por todo o chão da cozinha, apavorado
ele olhava para os estilhaços do que era uma xícara no chão e gritava:
- Não se preocupe! Sem problema, eu pego! Eu limpo! Eu
limpo!